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Às vésperas da entrada em vigor do marco regulatório da mediação, um mercado potencial se agita. Entre novas produções literárias, formações e discussões, há o risco de se projetar sobre esse método uma moldura quase rígida, com lentes de juristas acostumados ao sucesso pelo conhecimento técnico de um processo civil formal, detalhado e demorado.
Tão preocupados com a regulamentação e os limites normativos, talvez negligenciemos o que há de mais interessante nesse instituto: a flexibilidade. É essa grande base da mediação que pode servir de caminho para a inserção de outros elementos no âmbito da resolução de disputas empresariais. Se até o processo civil formal passa a permitir certa maleabilidade com os negócios jurídicos processuais, seria um contrassenso enrijecer um processo genuinamente informal como a mediação. A modernização dos caminhos para as soluções extrajudiciais dos conflitos “representam o avanço do processo civilizatório da humanidade”, como destacado por Luis Felipe Salomão[1], ministro do Superior Tribunal de Justiça e presidente das comissões de juristas responsáveis pelo desenho legislativo da Lei de Mediação e da reforma da Lei de arbitragem.
Ademais, outros modelos de resolução podem ser usados de forma paralela, sequencial ou combinada com a mediação. A atuação técnica do terceiro neutro pode variar entre diretivo ou facilitativo quanto à condução do processo, bem como entre avaliativo ou não avaliativo quanto à substância da disputa. Isso quer dizer que, embora o Novo Código de Processo Civil (artigo 165 § 3º) preveja a adoção de um modelo em que o mediador se limita à facilitação, nada impede que o mercado privado se adapte às exigências culturais do setor empresarial brasileiro, ainda que o faça por meio do uso de diferentes terminologias ou sob o risco de provocar severas críticas dos mais puristas. Essas críticas muitas vezes possuem o sentido de prestigiar a conduta facilitativa em atenção a casos que supõem desequilíbrio de poder ou mesmo com o fim educativo de instrumentalizar as próprias partes no ato de resolução do problema. Talvez essas ponderações, pertinentes em alguns casos, em vez de representarem dogmas conceituais, fossem mais úteis se integrados a debates técnicos específicos voltados à lapidação da técnica do mediador, assim como se faz com o uso ou não de sessões privadas.
Além de diferentes perfis nos processos consensuais, seria interessante que a janela aberta pela mediação estimulasse a adoção de outros mecanismos como Partnering, Dispute Boards e métodos híbridos como Med-Abr e Arb-Med[2]. Tais modalidades incluem em alguma medida a atuação de profissionais que auxiliam a busca do consenso ao tempo que agregam outros tipos de técnicas não contempladas na mediação propriamente dita. Essas inserções não tornam os processos de resolução de disputas superiores por si só, uma vez que a máxima de adequação do mecanismo ao caso concreto continua intacta, mas amplia de alguma forma o leque de opções processuais das partes.
A atual conjuntura econômica mostra, por exemplo, um campo suscetível ao aumento de fusões e aquisições de empresas brasileiras por empresas estrangeiras, já que a diminuição de valor daquelas potencializa esse tipo de negócio. Cenários mercantis de transição assim demandam instrumentos de prevenção e resolução de questões ocorridas antes, durante e após a mudança. Ainda no Brasil, e ainda nessa linha de ilustração, a condução de alguns projetos relacionados aos Jogos Olímpicos já mostra algum progresso nesse campo e prevê a adoção de Dispute Boards como ferramenta de resolução de disputas emergidas durante a execução dos contratos. Por fim, a ampliação do âmbito de resoluções de disputas pode aproximar até mesmo métodos como a “Arbitragem Expedita”, modelo peculiar que atende à escassez de tempo indispensável à eficácia das decisões e que é promovido por instituições como a American Arbitration Association.
A abertura a novas combinações e a desenhos de sistemas de resolução de disputas feitos à medida é algo que pode permitir ao Brasil compensar a demora na institucionalização da mediação e na reforma de alguns pontos na Arbitragem, êxitos recentes. Tanto o marco normativo da mediação como as alterações na arbitragem eram anseio de longa data em nosso sistema com vistas à adequação ao mercado empresarial mundial. Embora extraídas de apreciação em outra seara, aqui caem bem as palavras da ministra Nancy Andrighi, que lembra a necessidade de adequar-nos aos contornos mais modernos: “todos devemos ficar atentos aos ventos da modernidade, porque só eles nos levam para o sucesso e a paz social”. No que respeita aos meios não jurisdicionais de gestão de conflitos, o Brasil ainda parecia ter suas portas fechadas a esses ventos, que agora circulam com certa força em nosso meio jurídico.
Essa abertura a novos meios ainda não conseguiu findar antigos debates. A constante importância que se dá às distinções entre conciliação e mediação, por exemplo, indica ainda um apego que parece mais interessante em escritos acadêmicos do que na prática da resolução de disputas, já que muitas vezes a identificação da melhor técnica só se dá em um estágio já avançado do processo. O uso de determinadas técnicas ou a adoção de alguns perfis mais interventores não faz do neutro, pelo menos não em abstrato, mais ou menos ético, tampouco menos eficaz. Fechar as portas dessa flexibilidade é impedir que as partes passem a ser vistas e ouvidas; é tolher a autodeterminação dos atores da disputa que, fora da estrutura de justiça do Estado, deveriam ter espaço suficiente para traçar um processo que melhor se adeque a seus interesses, ao nível de escalada do conflito e à necessidade do caso.
As partes na mediação ou, melhor, no processo de resolução consensual de disputas, devem ser ouvidas quanto às suas preferências procedimentais na mesma medida em que se sentem ouvidas no relato da perspectiva conflitiva. Até questões culturais podem influenciar o estilo do mediador desejado pelas partes. Em algumas nações, como Singapura, a estrutura social hierarquizada implica em uma preferência por uma conduta mais diretiva do mediador.
Não é pelo estilo ou pelo uso de determinadas técnicas que o mediador deve ter sua qualidade avaliada. Nesse ponto entra outro fator importantíssimo ao lado da flexibilidade que é a satisfação dos usuários, voz a ser considerada (se não priorizada). Isso não implica que as partes sempre decidam aleatória e caoticamente técnicas, etapas e condições da mediação, mas redunda na participação efetiva delas nesse processo decisório juntamente com um profissional qualificado e experiente na construção de procedimentos apropriados a cada disputa. Assim, a autonomia das partes surte seus efeitos antes mesmo de entrar no contexto substancial da disputa.
Assim como o mundo passa por diversas transformações e diárias inovações, na resolução de disputas não pode ser diferente. Como afirma Dwight Golann[3] “se o uso da resolução alternativa de disputas deseja crescer, então as técnicas de resolução de disputas devem continuar melhorando”.
Podemos optar por ou privilegiar perfis de mediadores, podemos favorecer o uso da mediação exclusivamente facilitativa, mas não podemos dizer de antemão que um procedimento em que um profissional use técnicas mais diretivas ou avaliativas por escolha informada — e quiçá insistência — das partes não seja mediação. E se não for também, desde que ajude a resolver a disputa de forma ética e satisfatória para as partes, qual o problema?
1 Disponível em: www.adambrasil.com/arquivos/7261/
2 Sobre combinações e métodos híbridos: LACK, Jeremy. Appropriate Dispute Resolution (ADR): The Spectrum of Hybrid techniques available to the parties. In INGEN-HOUSZ, Arnold (ed). ADR in Business. New York: Wolters Kluwer. São Paulo, 2011.
3 Tradução própria. Dwight Golann, Variations in Mediation: How – and Why – Legal Mediators Change Styles in the Course of a Case, 2000 J. Disp. Resol. (2000) p. 1
Por Juliana Loss de Andrade, professora de mediação na EMERJ. Integrante da iniciativa FGV Mediação da FGV Projetos e Andrea Maia, advogada e mediadora. Integrante da iniciativa FGV Mediação da FGV Projetos.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 23 de novembro de 2015, 7h22